Era uma vez...


Dentre várias das minhas esquisitices, das coisas que fazem parte do meu mundo e só dele, tem aquela que me deparei dia desses: não gosto de ver minhas fotos de quando era criança. Não compartilho deste sentimento de ternura e nostalgia dos demais, empolgados com suas lembranças de infância e revendo álbuns. Na verdade, todo esse clima apenas me deixa melancólica.

Quando vejo uma foto minha de criança, não lembro de como-era-feliz-naquele-tempo. Nem nas fotos de quando era um pouco mais velha. Eu não era feliz naquele tempo. É como se eu fosse tragada por uma lufada de vento e, de dentro e bem lá no fundo, o oco do meu coração se agitasse, sabendo que encontrou a origem de tudo. A melancolia me puxa pelo umbigo e a minha essência se depara com o que a originou - a mesma matéria, a mesma composição. Meu coração grita foi ali! foi ali que você se tornou quem é! Ali! Vê?

Vejo.

Foi ali que meu silêncio começou a ser estranho aos outros, que as minhas palavras foram mal compreendidas pela primeira vez, que me senti sozinha e - de um jeito um pouco premonitório - eu soube que seria sempre assim.

Encontrei fotos minhas com amigos, quando éramos pequenos. Não me senti feliz porque lembro bem que aqueles momentos alegres eram tão poucos e tão raros que eu ficava relembrando-os até que eles desgastassem. Tinha tão poucos destes momentos que, quando eles aconteciam, eu os revivia à exaustão, relembrava cada riso e cada conversa, e estes pouquíssimos momentos me alimentavam enquanto eu esperava pelo próximo. 

Me apegava àquela pessoa que estava comigo, pensava nela, me afiliava a ela. Aquela pessoa se tornava importante para mim. Porém, enquanto eu estava em meu mundinho, acompanhada da lembrança, aquela pessoa já tinha outros momentos e outras fotos e outras risadas - já tinha vivido. E, então, eu era esquecida.
Tão tola. Ainda sou tão, tão tola.

Naquela época, não sabia pedir, não sabia me aproximar, nem me expressar. Aceitava a dor e a achava natural - assim como a solidão, a falta de amigos, o silêncio. E até hoje, vinte e tantos anos depois, continuo com estas mesmas dificuldades, me rondando secretamente.

Portanto, agora, não tenho nada otimista a dizer. Nem nada bonito ou poético. Hoje sou só aquela mesma menininha tristonha e sem jeito, sentada no chão, encostada na parede e pintando um sorvete de arco-íris.

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